sexta-feira, 19 de junho de 2015

A única coisa que não muda é a mudança

Eu dirigia. As árvores passavam por mim. O carro não tinha ar-condicionado e estava um baita calor. As janelas estavam fechadas – antes passar calor do que arriscar um assalto em plena Marginal -, e eu dirigia. O rádio já não funcionava mais fazia um tempo, e não sintonizava em nenhuma estação, nem mesmo os cds velhos tocavam. Eu dirigia. O céu estava cinza, porém era um cinza diferente. Não era um cinza bonito, não sei explicar. Era um cinza no tom do controle remoto da minha televisão, é. E completando esse quadro do céu cinza-controle-remoto, um bando de pássaros fazia um belo movimento indo pra longe. Eles pareciam estar com pressa. Com certeza algo aconteceu no mundo dos pássaros. Todos eles estavam bem agitados. A vida desses pássaros parece ser mais interessante que a minha.

O carro capotou duas vezes. Quando abri os olhos, percebi que estava de cabeça para baixo, assim como a minha vida nos últimos meses. Eu estava preso ao cinto de segurança. Ainda com a visão trêmula, pude reconhecer com facilidade a figura que estava ao meu lado e me observava com um ar sarcástico. Era eu.

Eu: Parabéns!

• Mim mesmo: Parabéns pelo o quê?

Eu: Esse acidente foi a coisa mais emocionante que já te aconteceu nos últimos dez anos de vida.

• Mim mesmo: Ah, é? Eu já diria “…que te aconteceu na vida“.

Eu: Estava contando com o dia em que você entrou na faculdade, mas lembrei agora que você não entrou na faculdade. Portanto “…que te aconteceu na vida” se encaixa melhor nessa situação mesmo.

• Mim mesmo: Obrigado.

Eu: Não, obrigado a você. Obrigado por ter capotado o carro, só um baque desse para me arremessar para fora do seu corpo. Meu lugar não é com você.

• Mim mesmo: O que é que você tá dizendo? Cala a boca, você é a minha alma.

Eu: E daí?

• Mim mesmo: E daí que tem que viver comigo.

Eu: Você que pensa, meu caro.

Mim mesmo: Sim. Tem que viver comigo. Ou será uma daquelas almas perdidas, vagando sem rumo por aí.

Eu: E que mal há nisso?! Convenhamos que dentro de você eu já era uma alma perdida vagando sem rumo, né. Tá pra nascer uma vida mais chata que a sua.

• Mim mesmo: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena!”

Eu: Ei, pode parar. Não me venha com essas frases arranjadas tentando colocar todo o peso nas minhas costas. Tentei te ajudar, amigo. Juro que tentei. Mas você parece aquelas bolas de ferro, sabe?

• Mim mesmo: Vamos, me ajude a sair daqui.

Eu: Tá com pressa? Tem algum compromisso?

• Mim mesmo: Não, mas…

Eu: Então relaxa aí e curte esse momento. Aproveita esse período fora daquela sua rotina monótona.

Abri a porta do carro.

• Mim mesmo: Onde você vai?

Eu: Pra longe.

• Mim mesmo: E vai fazer o quê?

Eu: Vagar por aí.

Nesse instante o rádio começou a funcionar. (tocava “Running On Sunshine”, de Jesus Jackson)

• Mim mesmo: Fica mais um pouco.

Eu: Foi mal, bicho. Mas não tá dando. E vê se corta esse cabelo aí.

E saí contornando os carros pela Marginal. Não ouvi nem um sinal de ambulância. Ele ficaria ali por mais algum tempo. Melhor assim, tem mais tempo para pensar. É.

A única coisa que não muda é a mudança

Com frequência vejo pessoas conversando sobre como as coisas mudam rápido. Pelo olhar delas, a vida tem mudado freneticamente nos últimos tempos e isso é ruim.

E você? Como você enxerga a mudança?

Caso você também seja uma dessas pessoas que ainda acreditam que um dia as coisas vão parar e mudança cessará, é bom começar a pensar diferente.

A única coisa que não muda é a mudança.

Não tem jeito. É melhor render-se a este fato.

Tudo o que nos rodeia é baseado em ciclos. Dia e noite, inspirar e expirar, dormir e acordar, as estações do ano, o próprio passar do ano etc. Estamos sempre em constante mudança.

Nenhum estado é eterno. Seja ele bom ou ruim.

E como isso pode afetar a nossa vida?


Quando mantemos a percepção de que algo no passado foi bom, deixamos de valorizar as coisas boas que temos no presente. Um bom exemplo para isso é escutar as pessoas mais velhas falando coisas do tipo “no meu tempo..” ou “a vida era muito melhor quando eu…”. Ao afirmar isso, deixamos de agradecer ao que temos hoje, agora. Deixamos passar as situações presentes que são tão boas, ou até mesmo melhores, do que aquelas que estão no passado. Criando assim um sentimento de saudosismo e apego a algo que já passou. Podemos dizer que, até certo ponto, estamos negando o presente e nos recusando a acreditar que ele mudou. Ou seja, negando a própria mudança.

Abrace a mudança. Seja amigo de novas formas de fazer as coisas. Tenha coragem para enfrentar novos processos. Afinal de contas…

Faça algo que você nunca fez e experimente sensações que você nunca sentiu.

Tudo está sempre em constante modificação. Você não é a mesma pessoa que era ontem. Com certeza alguma coisa mudou em você de ontem para hoje. Pode ter sido uma visão mais otimista do mundo, um novo aprendizado, uma nova frase, um novo corte de cabelo, alguns gramas a menos. O mais importante é aprender a conviver com a mudança. É saber que tudo muda e tudo continuará mudando. Sempre.

Transformando-se

Até mesmo a pedra não será para sempre uma pedra, mas apenas o que “parece ser sempre uma pedra”. Antes de o ser, era outra coisa. Fossilizou-se naquela pedra, através de um processo que durou centenas de milhares de anos. Um dia foi outra coisa, e o será de novo.

Thalles Cabral (1º texto)
André Cruz (2º texto)

Imagens: google.com

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