sábado, 24 de março de 2012

Convivência com o próximo (Parte II)

C - Os pouco próximos

Ter sentimentos desagradáveis proporcionados por pessoas que não estão se relacionando diretamente conosco, como por exemplo, com a atuação da justiça, com o Congresso Nacional, com movimentos políticos, com os conflitos internacionais, com a fome no mundo, com as notícias do dia-a-dia, etc., mostra sempre uma afetividade muito sentimental.

Na realidade, quando a pessoa já não suporta mais ouvir noticiários, ler jornais ou saber de certos fatos sem se emocionar exageradamente, é porque está muito desadaptada.

De fato, algumas notícias emocionam muito, causam perplexidade ou outros tipos de sentimentos mas, de qualquer forma, embora possamos lamentar, protestar, reclamar e manifestar nosso constrangimento, não é normal adoecermos por causa delas.

Normalmente quando uma pessoa se queixa de não poder mais tomar contacto com notícias, quando questiona nossa sociedade e se entristece muito com o comportamento e com as atitudes da espécie humana em seus diversos segmentos, é porque está muito sensível e sentimental, comumente está deprimida.

Vendo notícias da fome em alguns países, por exemplo, ou tomando contacto com imagens de pessoas sofrendo privações, carências ou injustiças, todos nós experimentamos sentimentos constrangedores e até tristeza franca. Esses sentimentos engrandecem as pessoas e mostram nobres sentimentos, no entanto, não podemos adoecer por isso. Não podemos sofrer de insônia, ter crises de choro exagerado, apresentar episódios de pânico, manifestar hipertensão arterial, gastrite ou qualquer outro sintoma patológico.

Nesses casos, além do tratamento médico indicado , recomendamos ter em mente as incontáveis e meritosas exceções que existem em nossa espécie. Devemos nos lembrar das incontáveis pessoas (normalmente anônimas) que fazem a vida valer a pena. Essas exceções nos animam a continuar acreditando em nossos semelhantes e nos dão forças para valorizar o mundo no qual vivemos.

1 -Mudar nós mesmos

Entendendo a possibilidade, mais do que certa, das mesmas coisas representarem algo diferente em diferentes pessoas, seremos mais compreensíveis com nosso muito próximo e sua maneira pessoal de sentir o mundo. De qualquer forma, tentar conviver com nosso muito próximo do jeito que ele é, compreendendo-o e aceitando seus sentimentos, sua maneira de pensar e de agir requer boa dose de abnegação e complacência.

Para essa tentativa de convivência precisamos mudar algumas coisas em nosso interior. Precisamos, principalmente, nos despojar do orgulho, da vaidade e da presunção. Há pessoas que não abrem mão desses sentimentos da alma humana (do Ego) alegando o risco de anularem suas personalidades, como costumam dizer. Trata-se de uma afirmativa mais retórica que real. Não se anula personalidade alguma, antes disso, constrói-se uma personalidade solidamente imune à alguns tropeços da natureza humana.

Abrir mão de nosso orgulho, de nossa vaidade e de nossa presunção não é tarefa fácil. É instintivo que a natureza humana se deixe conduzir por tais atributos e toda iniciativa contrária à eles é trabalhosa. Tudo o que eleva a pessoa é mais trabalhoso que aquilo que degenera.

Aceitar o fato de que minha opinião possa não ser a melhor mas apenas minha opinião, que minhas atitudes possam não ser as mais certas mas apenas minhas atitudes, que meu muito próximo possa gostar dele o mesmo tanto que gostamos de nós, enfim procurar fazer com que nosso ego se realize na humildade e não dependa de adulações são tarefas tão ou mais difíceis que tentar mudar meu muito próximo.

Ao tentar mudar os outros sabemos para quem e em qual direção devemos apontar nosso arsenal mas, em se tratando da mudança em nosso próprio ser, constatamos que nosso maior adversário encontra-se dentro de nós mesmos. De fato, tentar mudar a nós mesmos pode ser mais difícil que tentar mudar os outros.

O ideal seria não sofrermos quando a maneira de ser de nosso muito próximo fosse diferente da nossa. Há pessoas privilegiadas que conseguem conviver naturalmente com seu próximo por possuírem uma personalidade nobre. Quando não for esse o caso, conseguiremos conviver com nosso muito próximo produzindo mudanças favoráveis em nosso ser, como dissemos. Estaremos, assim, construindo uma personalidade também nobre.

Entretanto, não sendo possível empreendermos mudanças favoráveis em nosso ser, impossibilidade normalmente devida ao nosso gênio irascível, ou quando a maneira de ser de nosso muito próximo for decididamente irreconciliável com a nossa, devemos ponderar a seguinte questão: O grau de proximidade desse nosso muito próximo é suficiente para convivermos obrigatoriamente com ele?

Se for definitivamente obrigatória a convivência com esses nossos muito próximos, devemos saber dosar nossa postura: por um lado, dosar nossos esforços no sentido de modificá-los e influenciar sensatamente o jeito de serem e, por outro lado, exercitar nossa complacência, tolerância e compreensão.

Não sendo obrigatória a convivência com esses nossos muito próximos e não se conseguindo mudanças significativas em sua maneira de ser, nem em nossa, planos devem ser elaborados para nos livrarmos dessa proximidade.

2 - Tentar mudar nosso muito próximo

Ter noção do quê é possível mudar em nosso muito próximo é uma questão de sabedoria. Primeiro, devemos saber que os sentimentos são mais difíceis de serem mudados que os comportamentos. Isso significa, por exemplo, ser mais fácil convencer nosso muito próximo a não deixar a lâmpada do banheiro acesa ao sair (comportamento) do que convencê-lo de que isso é muito importante (sentimento) ou ainda, ser mais fácil convencê-lo à tratar bem uma pessoa de quem gostamos (comportamento) do que fazê-lo também gostar dessa pessoa (sentimento).

Em segundo lugar, é bom saber que seria muito mais sensato procurar entender e conviver bem com os sentimentos de nossos muito próximos do que pretender mudá-los.
Uma das maneiras para entender e conviver bem com os sentimentos de nosso muito próximo é procurar nos colocar em seu lugar. O mais correto para entender seus sentimentos é procurar se sentir como se fôssemos ele, nas circunstâncias dele, com o temperamento dele, vivendo a situação dele... e não pretender que ele tenha sentimentos como se fosse nós, pretender que ele se sinta de acordo com nosso temperamento e nossa situação.

A pretensão para que nosso muito próximo se sinta culpado, errado, arrependido, mal agradecido, etc., como às vezes gostaríamos que se sentisse, dificilmente será satisfeita, pois, tal como nós, ele também gosta de seu próprio ego como gostamos do nosso. Ele também se acha certo e com razão.

A pretensão para que nosso muito próximo goste de nós tanto quanto desejamos (e achamos justo), também pode não ser possível pois, pelo fato dele ser ele, não sabe o tanto que gostaríamos de ser gostados. Isso é o mesmo que dizer: se eu fosse ele eu gostaria muito muito muito de mim, seria grato à mim mesmo, acharia que estou muito certo...

Para não nos magoarmos, irritarmos ou frustrarmos com nosso muito próximo é importante termos em mente que ele sente as coisas de acordo com sua personalidade, com sua idade, com suas circunstâncias, suas idéias, sua cultura, seu sexo , etc. É importante termos em mente que esse nosso muito próximo não está errado por sentir as coisas ao seu modo. Nós erramos por termos a pretensão para que ele tenha outros tipos de sentimentos, portanto, ao sofrer por nosso muito próximo, muitas vezes estamos sofrendo por nossas pretensões.

Quando não conseguimos viver bem com os sentimentos de nosso muito próximo devemos estudar a possibilidade de alguma mudança e, para tal, podemos recorrer a elementos valiosos. O diálogo, a conversa franca, a exposição de nossos próprios sentimentos, de nossas expectativas contribuem para que nosso muito próximo venha a reavaliar seus sentimentos, venha a perceber as coisas de um modo diferente, de uma maneira que nos agrade mais ou, no mínimo, que se disponha a discutir essa questão conosco.

De um modo geral, não devemos considerar a mudança dos sentimentos de nosso muito próximo como única condição à nossa boa convivência. Se acontecer alguma mudança, será algo excepcionalmente agradável às nossas exigências e, não acontecendo, o melhor será investirmos na possibilidade de mudar nosso modo de ser.

3 - Agredir o Próximo

O ser humano pertence, biologicamente, ao reino animal e reagir à agressão faz parte da biologia animal. Entre nós são raríssimas as pessoas capazes de oferecer a outra face. De qualquer maneira, há uma forte tendência em agredirmos quando nos sentimos agredidos, portanto, nossa agressividade (excetuando-se transtornos de personalidade) depende do fato de nos sentirmos agredidos. Sentir-se ou não agredidos, como gostamos de enfatizar, depende muito da sensibilidade e do bem estar íntimo das pessoas.

É sábio o ditado: quem está bem consigo não incomoda nem não se incomoda com os demais. Sentir-se agredido vai depender muito do quanto somos sensíveis à crítica, à contrariedade e à frustração.

Se tivermos uma parte de nosso corpo ferida, por exemplo, qualquer coisa que esbarrar aí causará dor. Isso que dizer que nossas feridas são mais sensíveis que a pele sadia e, mesmo sendo boa a intenção de quem nos esbarra, sentiremos dor.

Excetuando-se as lamentáveis questões da violência urbana, concreta e atuante de nosso cotidiano, se nos sentimos demasiadamente agredidos em nosso relacionamento social, ocupacional ou familiar, normalmente é porque temos feridas íntimas e profundas. Nesse caso, a dor depende mais de nossa sensibilidade do que da intenção de nosso pretenso agressor.

Mesmo havendo em nosso pretenso agressor intencionalidade em nos agredir, essa intencionalidade se perderá no vazio se não nos sentirmos agredidos. Portanto, não nos sentir agredidos pode ser a melhor defesa contra as intenções de outros em nos agredir. Dificilmente as pessoas com auto-estima equilibrada se sentirão agredidas. Podemos citar alguns casos cuja sensibilidade exagerada predispõe à sensação de estar sendo agredido.

Pessoas culturalmente menos privilegiadas têm demonstrado mais sensibilidade às agressões sociais. Por se tratar de pessoas que naturalmente já se sentem oprimidas e agredidas de fato pelas circunstâncias existenciais, qualquer coisa do cotidiano poderá lhes parecer como mais uma agressão, apesar de nem sempre se tratar, de fato, de algo intencionalmente agressivo. Evidentemente tendem à revidar agressivamente à pressuposta agressão sentida.

Pessoas orgulhosas e arrogantes também se mostram especialmente sensíveis às agressões. Elas costumam interpretar como afrontosas e humilhantes atitudes desprovidas dessa intencionalidade. São pessoas portadoras de um Ego demasiadamente espaçoso o qual, quando muito grande, acaba esbarrando em muito mais obstáculos do cotidiano do que um Ego melhor dimensionado.

De fato, quem tem consciência plena e honesta de sua dimensão, seja de sua pequenez ou grandiosidade, não pleiteia adulações. Jamais se sen-te humilhado ou diminuído. Quem tem clara e sincera noção de sua dimensão, seja ela grande ou pequena, não se sentirá frustrado se as mesuras e deferências do sistema confirmarem ou não o seu tamanho.

Ou a pessoa é, de fato, humilde o suficiente para aceitar sua pequenez como uma coisa inerente ao ser humano em geral diante da vida, portanto, sem necessidade de buscar no sistema adulações que a façam parecer maior do que é ou, de outro jeito, tem nítida consciência de sua grandiosidade como pessoa digna e íntegra e não depende do reconhecimento público para reforçar seu Ego.

De qualquer forma, em qualquer um dos casos, trata-se de um grau de consciência suficientemente sólido para que a auto-estima seja emancipada da avaliação de terceiros. Ora, não se sentindo agredido, o ser humano não necessita revidar agressivamente para manter sua dignidade.

Também as pessoas portadoras de estado depressivo, as quais têm como conseqüência um rebaixamento da auto-estima, tendem magoar-se demais diante da vida. Os deprimidos podem tomar como ofensivas atitudes neutras ou até amistosas. Tendem a se sentirem menos queridas, mais discriminadas, menos valorizadas do que são, portanto, sentem-se mais agredidas. Nesses casos agridem mais.

Quando falamos nesse tipo de agressão não estamos falando apenas da agressão com violência, necessariamente. Às vezes o simples silêncio, o descaso ou a indiferença têm uma séria intenção agressiva e, de fato, acabam agredindo mais que uma atitude violenta. Mostrar-se plenamente feliz ou absolutamente calmo quando alguém suplica por um pouco de solidariedade aos seus sentimentos de angústia também pode agredir. Isso quer dizer que, muitas vezes, o não fazer nada agride mais que o fazer qualquer coisa.




http://gballone.sites.uol.com.br/voce/proximo2.html

Imagens: google.com

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