A expressão “masoquismo sexual” geralmente nos evoca crueldade associada a sexo: chicotes, algemas, flagelação – a necessidade de sofrer dor na mão do parceiro. Mas este é apenas o aspecto que chama a atenção e mais provoca curiosidade e não o mais comum, que é o resultado da influência de uma personalidade passiva, medrosa e sofredora na área sexual.
Embora tanto os homens quanto as mulheres possam ter passado por experiências que predisponham para a síndrome masoquista, ela é mais comum nas mulheres, porque nelas, elementos culturais reforçam continuamente este comportamento. Embora as mulheres tenham conquistado mais autonomia em relação aos seus destinos, e maiores oportunidades para a realização pessoal nos últimos anos, o masoquismo feminino continua atuando de forma destrutiva, puxando o tapete sob elas.
O problema do poder parece ser o centro do comportamento masoquista. É na família que a criança, inicialmente fraca e indefesa, toma o primeiro contato com medo do poder investido em outras pessoas. A mãe é grande e poderosa, e a maneira como ela exerce o seu poder nos cuidados com a criança é em grande parte responsável pela saúde psicológica do filho. Há muitas maneiras pelas quais os pais podem abusar de seu poder, além da agressão física. Se essas ações são repetitivas e continuadas, preparam o terreno para o masoquismo, minando a “confiança básica” da criança, aumentando nela a sensação de impotência e vulnerabilidade.
O terror é o gatilho de qualquer transação masoquista. Na verdade o masoquismo é um mecanismo de defesa que através do dano auto-infligido procura evitar ou extinguir a agressão, real ou suposta, vinda de outras pessoas. A essência do masoquismo é a autopunição e a submissão à outra pessoa, e o sofrimento estabelecido como estilo de vida. Não se trata de maneira alguma de sentir prazer com o sofrimento, mas sim de não conseguir identificar alternativas não dolorosas para seu comportamento. Como o masoquista repete os processos destrutivos e dolorosos a exaustão, comete-se o erro de julgar que isso possa lhe dar algum prazer.
Ao se conhecerem, um homem e uma mulher são praticamente iguais em relação ao poder. Mas, o equilíbrio pode pender rapidamente a favor de um deles se o outro é masoquista. Um dos dois (em geral a mulher) passa a entregar poder, e o outro, a recebe-lo. Á medida que o relacionamento progride, essa diferença vai se tornando cada vez maior, até que um prato da balança fica carregado de poder e o outro de fraqueza e medo do poder do outro.
Uma mulher que aceita demais, dá demais, que se mostra ansiosa e disposta demais, e tudo isso cedo demais, se coloca numa posição subordinada e deixa claro o pouco valor que atribui a si mesma. Desaba em cima do homem, revelando não ter senso de limites. Ao não reclamar, ao não impor seus limites e seus desejos desde o primeiro encontro, a mulher envia sua mensagem: “eu aceitarei tudo”; “não atrapalharei nada”; “farei o que você quiser”; “você é quem manda”. Não é difícil imaginar qual será a correlação de forças em pouco tempo.
As mulheres foram condicionadas para o papel de masoquistas, através da história e da aculturação e é na área sexual onde isso aparece com mais força. Até poucas décadas atrás as mulheres ainda chegavam virgens ao casamento, e essa ignorância e falta de experiência gerava uma sensação de não ter direitos no confronto sexual.
Todos agiam a partir do pressuposto de que cabia ao homem tomar as decisões sexuais, e às mulheres submeterem-se. Os casamentos baseavam-se mais na necessidade econômica e no desejo de progredir socialmente do que numa atração mútua que possivelmente existisse entre o dois. Era preciso agradar e conquistar qualquer homem que parecesse um bom marido em potencial – jamais contestá-lo. Esse pragmatismo afetou sensivelmente as reações sexuais das mulheres, desviando a atenção delas de suas próprias necessidades e sentimentos, voltando-a para a satisfação dos homens.
A pornografia é outra força cultural que continua reforçando a crença de que o papel sexual masoquista pertence às mulheres, por direito e merecimento. Os filmes e fotos pornôs geralmente apresentam a mulher servindo ao homem, exibindo dessa forma poderes desiguais, reforçando a idéia de que as mulheres não têm direito de dizerem o que querem na relação sexual.
A falta de desejo sexual na mulher é uma forte expressão do masoquismo sexual. É a incapacidade da reação devido a um medo generalizado dos desejos sexuais do outro. Medo de se impor e recusar o que o homem quer, medo de solicitar o que daria prazer a si própria.
Expressões mais brandas dessa síndrome destrutiva podem ser identificadas quando por exemplo, a mulher evita iniciar o ato sexual por temer que o homem pense mal dela ou a ridicularize; quando sente que não pode recusar, não importa como esteja se sentindo; quando teme solicitar carinho físico e brincadeiras amorosas antes do sexo; se não ousa solicitar uma determinada posição que prefere ou teme discutir anticoncepcionais ou questionar um homem sobre o uso de camisinha. Não que as mulheres devam fazer sempre as coisas ao seu modo, mas têm o direito de faze-lo em parte.
Poder-se-ia pensar que as mulheres não casadas deveriam ser mais livres e mais capazes de exercer a própria vontade na área sexual, mas não é o que acontece. Ao se vincularem sexualmente a um homem, acabam adotando os aspectos negativos do comportamento das casadas, negando a si prazeres sexuais com a mesma presteza das mulheres ligadas a seus parceiros pelo casamento, embora não tenham perante ele a menor “obrigação”.
A idéia de ser uma executante passiva, quase sem vida, do ato sexual está no cerne de grande parte das fantasias sexuais masoquistas femininas. As mulheres se imaginam amarradas ou contidas de alguma forma e portanto impotentes para se impor sexualmente ou sequer recusar o contato sexual. Isso decorre do mesmo sentimento de culpa e medo que a masoquista sente em relação à praticamente tudo na vida. Nesse caso, é culpada de desejos sexuais e teme confessá-los. Assim, a masoquista cria um longo caminho, através do qual foge à desaprovação, criando uma fantasia que a priva de sua própria vontade, não podendo assim ser responsabilizada pelo ato sexual. Ela seria a vitima do homem - desamparada, passiva, rendida.
As fantasias masoquistas têm outro elemento curioso e previsível - quase sempre apresentam a mulher imaginando como se fazer mais desejável e atraente para o homem, mas quase nunca analisando o que consideraria desejável nele. Não está se negando que a mulher deva despertar desejo no homem. O corpo é, de fato, o foco da atração sexual, mas há muitos outros fatores envolvidos que não são considerados, e isso interfere e obscurece o que as mulheres consideram excitante e sexualmente desejável para elas.
Na nossa cultura a maior parte das mulheres provavelmente sofre de alguma forma de masoquismo, pois são afastadas de suas próprias noções de reação sexual autêntica pelos meios de comunicação e por pessoas revestidas de autoridade profissional, que lhes impõem um determinado padrão sexual de aparência e comportamento a que devem aspirar. Para as que tentam adaptar-se aos padrões gerais os resultados são desastrosos, pois isso não é coisa que se possa ditar de fora.
O verdadeiro indicador da manifestação sexual autentica é o que se passa dentro da pessoa e para acompanhar o que se passa dentro de si mesma é preciso introspecção e consciência da própria individualidade. No passado não se acreditava que todas as mulheres deviam achar atraentes homens robustos e musculosos, nem se esperava que todos os homens reagissem de uma mesma maneira a um determinado tamanho e forma de seios. Uma mulher sabia se desejava ou não beijar determinado homem. Hoje, se ele tem uma certa aparência e se os dois se encontram numa determinada situação, ela presume que quer beija-lo e age conforme essa presunção. Tudo isso prepara o terreno para as sementes do masoquismo sexual. Cada vez mais as mulheres estão fazendo na área sexual, coisas que não querem, submetendo-se ao poder do parceiro ou parceiros e com isso perdendo sua autonomia sexual, ignorando os próprios sentimentos em conformidade com uma orientação que vem de fora.
O masoquismo se mantém através de um processo de realimentação. Uma mulher masoquista acumula feridas e quanto mais feridas ela junta, mais deteriora a imagem que tem de si mesma. E quanto mais diminui o seu auto-conceito, mais de forma masoquista ela se comporta.
Superar as tendências masoquistas é um desafio que exige muito trabalho, coragem e tempo. Mas o resultado é dos mais gratificantes que a alguém jamais conquistará.
Texto baseado no livro “Doce Sofrimento – o masoquismo feminino”
Por: Natalie Shainess
Imagens: google.com
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