domingo, 25 de março de 2012

Quem sou Eu e quem é o outro

O que eu sou para o outro

Será que nossa atitude interpessoal ou nossa postura social é sempre a mesma e constante nas diversas situações de nosso cotidiano? Será que nos apresentamos da mesma forma na praia e no velório ou no trabalho e no futebol? Não. Normalmente, e em nome do bom senso, devemos nos apresentar adequadamente às expectativas de nosso público, portanto, de alguma forma estamos quase sempre desempenhando algum tipo de papel em atenção aos nossos expectadores.

Para o sucesso social do ser humano há sempre uma imperiosa necessidade da pessoa se apresentar ao outro através de uma identidade pessoal adequada. Não se vai à praia com traje social e nem à um casamento de maiô. Embora isso seja democraticamente possível, corre-se o risco de uma internação psiquiátrica.

Vamos chamar essa postura versátil de adequação às diversas situações de nosso dia-a-dia de PAPEL SOCIAL. Estamos, pois, diuturnamente desempenhando algum tipo de PAPEL SOCIAL.

A função dos PAPEIS SOCIAIS está relacionada à própria identidade da pessoa em seu meio social, uma maneira desejável de se apresentar aos nossos semelhantes e assegurar uma identidade pessoal mais aceitável possível.

Podemos comparar esses Papeis Sociais à nossa própria roupa; ninguém será capaz de apresentar-se nu para seu meio social e, além disso, para cada circunstância social nos apresentamos com um vestuário adequado. Para irmos à praia escolhemos os trajes de banho e não uma roupa social e vice-versa.

Embora sejamos obrigados à adequar nosso vestuário às circunstâncias, continuamos sendo sempre a mesma pessoa; somos aquela mesma pessoa que se apresenta formalmente num jantar de gala e aquela que se apresenta descontraidamente na praia.

O vestuário é capaz de modificar nossa identidade para nossos observadores, de tal forma que, vestindo roupas sociais (terno e gravata) não somos considerados da mesma maneira como se estivéssemos usando apenas roupas íntimas, apesar de sermos a mesma pessoa. Somos exatamente o mesmo que esbraveja e ofende durante uma partida de futebol e aquele que se penitencia e ora na igreja, aquele que afere lucros e aquele que faz caridade.

O sucesso social da pessoa, tão glorificado pela nossa cultura, é conquistado na proporção de um bom desempenho artístico e, conseqüentemente, nossa aprovação social estará de acordo com a qualidade do personagem que oferecemos aos nossos espectadores.

Durante o correr do dia podemos desempenhar vários PAPEIS SOCIAIS; somos pai, filho, esposo ou irmão compreensivos e amáveis dentro de casa, somos motoristas arrojados no trânsito, empresários ardilosos no banco, compradores exigentes ou vendedores flexíveis na empresa e assim por diante. E nosso sucesso dependerá da fidelidade para com nosso personagem.

Normalmente conseguimos mais comida quando parecemos estar com fome do que quando estamos realmente com fome mas não aparentamos, teremos mais crédito quanto mais aparentarmos honestidade, seremos mais convincentes quanto mais parecemos conhecer aquilo que falamos. Tudo isso espelha o sucesso de nosso personagem.

Portanto, existir para o outro implica em desempenhar muito bem o PAPEL SOCIAL, implica em adequarmos nosso personagem ao anseio de nosso expectador. A pessoa que procura um médico, por exemplo, antes de chegar ao consultório já possui uma perspectiva de imagem do médico, mais precisamente, da postura do médico. O médico, por sua vez, terá maior sucesso quanto mais próximo estiver da perspectiva de seu cliente.

O que eu sou de fato

Sou, de fato, representante da espécie humana, tanto quanto o são todos meus semelhantes. Portanto, habita em minha personalidade todos os traços encontrados nas demais pessoas mas, apesar de não haver nada de especial em mim que não haja em todo mundo, a combinação desses traços em meu interior é que me faz uma pessoa única e exclusiva.

Se fosse possível listar todos adjetivos do ser humano, tais como lealdade, ambição, fraternidade, inveja, maldade, companheirismo, egoísmo, caridade, etc., veríamos que esses infindáveis atributos, independentemente de seus méritos e deméritos, existem em minha pessoa assim como em todas as pessoas.

Acontece que todos esses adjetivos combinam-se entre si para constituir minha particular personalidade, uns sobressaindo-se aos outros, alguns manifestando-se em quantidades diversas, uns permanecendo dormentes, enfim, todos arranjam-se de forma a tornar-me único.

Portanto, de maneira mais ou menos grosseira, para aprimorar nossa compreensão sobre o outro basta investigarmos nosso próprio interior. Alguns de nossos traços mais primitivos e instintivos são domesticados e se apresentam socialmente dissimulados através de nossos PAPEIS SOCIAIS.

A gula, a avidez, a sedução, a inclinação para a posse e o orgulho, por exemplo, podem ser perfeitamente domesticados e se apresentarão através dos mais variados subterfúgios sociais. Da mesma forma, a vingança, a ira e a crueldade podem vestir uma roupagem de justiça, assim como também, o sentimento de culpa e a inclinação à barganha com vantagens podem se traduzir em atitudes caridosas e filantrópicas.

Normalmente temos uma tendência em recriminar nos outros as coisas que não conseguimos ou não nos permitimos (o que dá no mesmo) fazer. Causa-nos profundo constrangimento e irritação observar nos outros a manifestação livre de alguns traços primitivos, os quais não nos permitimos usar. Entretanto, consultando nossa intimidade, veremos que possuímos também esses mesmos traços. Apenas não nos permitimos usá-los.

Diante da frustração de vermos nos outros atitudes que não nos permitimos mas que pululam dentro de nós, primeiro dissimulamos essa nossa incapacidade sob rótulos socialmente enobrecedores, tais como "prefiro ficar com a consciência tranqüila" ou "isso está moralmente errado", ou finalmente, "quero estar de bem com Deus".

Depois condenamos as pessoas que procedem dessa forma deplorável. Veja, por exemplo, nosso sentimento de rancor ao vermos, num congestionamento de trânsito, pessoas que passam pelo acostamento e nos deixam para trás. Torcemos para que encontrem um caminhão parado no acostamento que os impeça de prosseguir ou que tenha lá um policial austero e multe todos eles. O que queremos dizer é que existe também em nós a pulsão da vantagem sobre os demais, tanto quanto existe nas pessoas que fazem valer fortemente essa inclinação.

Finalizando podemos dizer que, de modo geral e excluindo-se as aberrações de nossa espécie, somos o mesmo que o outro, tão humano quanto ele, tão ávidos de prazeres, tão carentes de carinho, tão necessitados de bem-estar quanto ele e, se alguma grande diferença pode ser observada, é o fato de estarmos do lado de cá do balcão e ele do lado de lá. Nosso desconsolo é desesperador ante o sofrimento ou ante a morte desse nosso outro mas, inevitavelmente, entre uma lágrima e outra, acabamos pensando "antes ele do que eu".

Quem é o outro

Agora está bem mais fácil entendermos Quem ou O Que é o outro, mais precisamente, O Que o outro representa para nós. Soubemos que a realidade é representada, em todos seus aspectos, de maneira muito particular e íntima a cada um de nós através do capítulo "REPRESENTAÇÃO, PROCEPÇÃO E APERCEPÇÃO". Soubemos que há varias maneiras (categorias) de valorizarmos essa realidade através do capítulo "OS VALORES E A REPRESENTAÇÃO DA REALIDADE". Soubemos também como reagiremos emocionalmente e sentimentalmente à realidade (onde o outro está incluído) no capítulo "COMO REAGIMOS À REALIDADE".

Assim como os fatos, os eventos e os objetos, também as pessoas (o outro) farão parte da nossa realidade, ou seja, representarão algo muito pessoal e terão uma valorização muito pessoal para nós.

Muito embora as coisas da realidade, como o outro, os objetos e os fatos, possam ter um determinado valor intrínseco e objetivo, como é a cotação do ouro ou a autoridade do Papa, por exemplo, o real valor subjetivo (que realmente mais me interessa) só pode ser alocado ao objeto através do sujeito, ou seja, somente eu mesmo serei responsável pelo valor que atribuo às coisas.

De certa forma, em geral o outro representará para mim aquilo que eu permito. O outro representará uma ameaça, uma coisa boa, um adversário, um amigo, uma namorada, um cúmplice, um companheiro ou um concorrente na medida em que represento-o dessas maneiras. Portanto, compreendendo a questão como compreendemos agora, será incorreto dizer que fulano me irrita, me humilha, me agride ou me ameaça. O mais correto será dizermos eu me sinto irritado com fulano, eu me sinto humilhado, eu me sinto agredido ou ameaçado.

Há, evidentemente, situações onde a objetividade dos fatos é contundente e não deixa margem à dúvidas representativas. Diante de um assalto, por exemplo, aquela pessoa que está me apontando a arma representará, de fato, o assaltante, uma séria ameaça à vida. Assim como o chefe no emprego deve representar-me, obrigatoriamente, meu chefe. Entretanto, em alguns casos, o valor subjetivo representado pelo chefe pode ultrapassar seu suposto valor objetivo e, sendo assim, diante dele a pessoa acaba experimentando emoções e sentimentos tal como se estivesse diante do assaltante, diante de uma séria ameaça.

Voltamos a enfatizar que o valor atribuído ao objeto, nesse caso ao outro, emana e provem do sujeito. Antes então, há que se perguntar Quem ou O Que sou eu, esse sujeito que se depara com o outro e, depois disso, Quem ou O Que é esse outro em relação ao Eu; será maior, menor, mais forte, mais fraco, igual, semelhante, parecido, enfim, qual será o grau de comparação entre o Eu e o outro?





Por: Ballone GJ - A Realidade do Outro -
http://sites.uol.com.br/gballone/voce/outro.html

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