Nada faças com o corpo, mas relaxa; fecha com firmeza a boca a permanece silente; esvazia a mente e em nada penses.
Como um bambu oco, repousa bem teu corpo. Sem dar nem tomar, repousa tua mente. Mahamudra é como a mente que a nada se prende. Assim praticando alcançarás, em tempo, o estado de Buda.
Antes de mais nada, a natureza da atividade e as correntes nela ocultas têm de ser entendidas, pois se não, o repouso será impossível. Mesmo que desejes, relaxar te será impossível se não tiveres observado, contemplado, compreendido a natureza da tua atividade; e a atividade não é um fenômeno simples.
Muitas pessoas gostariam de relaxar, mas não o conseguem. O repouso é como um florescer: não o podes forçar. Deves compreender todo o fenômeno: por que és tão ativo, por que tanta ocupação com atividade, por que estás obcecado por ela.
Lembra-te de duas palavras: ação e atividade. A ação não é atividade e a atividade não é ação. Suas naturezas são diametralmente opostas. A ação existe quando a situação a solicita: tu ages, tu respondes. A atividade existe não importa quando, pois não é uma resposta. És tão inquieto interiormente que a situação é apenas uma desculpa para tua atividade.
A ação advém de uma mente silenciosa e é a coisa mais bela do mundo. A atividade advém de uma mente inquieta e é a mais feia. A ação existe quando há um propósito. A atividade é inconveniente. A ação existe de momento para momento, é espontânea. A atividade está carregada do passado. Não é uma resposta ao momento presente, é, antes, o derramar-se da inquietação que vens trazendo do passado, para o presente. A ação é criativa. A atividade é muito, muito destrutiva - destrói-te, destrói os outros.
Tenta perceber a delicada distinção. Por exemplo: se tens fome e, então, comes, trata-se de uma ação. Mas se não tens fome, não sentes a menor fome e, ainda assim, comes, trata-se de uma atividade. Este último ato de comer é uma violência: destróis o alimento, moves os dentes, uns contra os outros, e destróis o alimento. Isto te proporciona um pequeno desafogo em relação à tua inquietação interior. Estás comendo, não porque tenhas fome. Estás comendo simplesmente por causa de uma necessidade interior, num impulso de violência.
No mundo animal, a violência está associada à boca, às mãos, às unhas e aos dentes. Esses elementos são violentos no reino animal. Ao alimentar-se, quando comes, elas se reúnem. Com a mão tomas o alimento, com a boca, o comer - a violência se desafoga. Mas, quando não há fome, isso não é uma ação, é uma doença. A atividade é uma obsessão. Não podes, naturalmente, continuar a comer desmensuradamente, porque senão estourarias. Por isso, as pessoas inventam estratagemas: mastigam pan, goma, ou fumam cigarros - são falsos alimentos, sem qualquer capacidade nutritiva, mas funcionam bem no que se refere à violência.
Um homem, que masca pan, o que está fazendo? Está matando alguém. Na mente, se ele se tornar consciente, poderá surgir uma fantasia sobre assassinato, morte. Ele está mascando pan, uma atividade muito inocente em si mesma, que não prejudica ninguém, mas muito perigosa para ti, porque pareces estar completamente inconsciente sobre o que estás fazendo. Um homem que está fumando, o que faz? Algo muito inocente, sob certo aspecto: apenas suga a fumaça e a lança fora, inalando e exalando; uma espécie de doentio pranayama e uma espécie de secular Meditação Transcendental. Ele está criando uma mandala: suga a fumaça, lança-a fora, toma-a, lança-a - cria uma mandala, um círculo. Através do fumo, ele faz uma espécie de cantochão, um cantochão rítmico. Aquilo o acalma; sua inquietação interior é um tanto aliviada.
Se estiveres falando com alguém, lembra-te, sempre - e isso é quase cem por cento correto - de que, se essa pessoa começa a procurar seus cigarros, ela está entediada e deves, então, deixá-la. Ela gostaria de mandar-te embora, mas não pode fazer isso, pois seria demasiadamente indelicado. Em lugar disso, ela procura seus cigarros. É como se estivesse dizendo: - “Bem, agora chega! Estou farto!” No reino animal, ela teria saltado sobre ti; mas, no caso, não pode saltar, pois trata-se de um ser humano, civilizado. Salta, então, sobre o cigarro, e começa a fumar. Agora já não se preocupa contigo - encerrou-se em seu próprio cantochão de fumaça. Isso a acalma.
Essa atividade, entretanto, revela que estás obcecado. Não podes permanecer tu mesmo, não podes permanecer silencioso, não podes permanecer inativo. Através da atividade lanças tua loucura, tua insanidade. A ação é bela, pois surge como resposta espontânea: a vida necessita de respostas. A cada momento tens de agira, mas a ação surge a partir do momento presente. Tens fome, buscas alimento! Tens sede, buscas a fonte! Estás te sentindo sonolento, vais dormir! É através da situação total que tu te movimentas. A ação é espontânea e total.
A atividade nunca é espontânea; ela surge do passado. Podes ter acumulado atividade durante muitos anos e, então, ela explode no presente - e isso não é conveniente. A mente é esperta e sempre encontrará justificativas para a atividade. A mente sempre tentará provar que não se trata de atividade, mas de ação: era necessária. Subitamente, encolerizas-te. Todas as pessoas, em torno de ti, estão conscientes de que aquilo não era necessário, de que a situação não pedia tal coisa, de que tua cólera era simplesmente inconveniente - só tu não o vês. Todo mundo pensa: - “Que estás fazendo? Não há necessidade disso. Por que estás tão encolerizado?” Mas tu encontrarás justificativas, justificarás, e dirás que era necessário.
As justificativas ajudam-te a permanecer inconsciente da tua loucura. Gurdjieff costumava chamá-las “amortecedores”. Crias amortecedores de justificativas em torno de ti, de movo a não compreender qual é a situação. Amortecedores são usados em trens: entre dois truques, dois compartimentos, usam-se amortecedores, para o caso de haver parada súbita, evitando-se, assim, um choque demasiado forte para os passageiros; os amortecedores absorvem o choque. Tua atividade é continuadamente inconveniente, mas os amortecedores das justificativas não permitem que vejas a situação. Os amortecedores cegam-te - e a atividade continua.
Se a atividade está em ti, não podes relaxar. Como poderias relaxar? A atividade é uma necessidade obsessiva: queres fazer alguma coisa, seja lá o que for.
Há loucos neste mundo que saem por aí dizendo: - “Faze alguma coisa, é melhor do que nada fazer.” E há tolos perfeitos que criaram um provérbio corrente em todo o mundo: Mente vazia é oficina do diabo.” Não é verdade. Uma mente vazia é oficina de Deus. Uma mente vazia é a coisa mais bela do mundo, a mais pura. Como poderia uma mente vazia ser uma oficina do diabo? O diabo não pode entrar numa mente vazia, é impossível! O diabo só pode entrar numa mente obcecada pela atividade: neste caso, sim, o diabo toma conta de ti e pode mostrar-te meios, modos e métodos de seres mais ativo. O diabo nunca diz: - “Relaxa!” Ele diz: - “Por que estás perdendo teu tempo? Faça alguma coisa, homem! Move-te! A vida está correndo, faze alguma coisa!” E todos os grandes professores, professores que acordaram para a verdade da vida, chegaram a compreender que uma mente vazia é um espaço onde o Divino penetra.
A atividade pode ser usada pelo diabo, mas não a mente vazia. Como pode o diabo usar uma mente vazia? Ele não se atreverá a aproximar-se, porque o vazio simplesmente o mataria. Mas, se estás repleto de profundos anseios quanto a ser ativo, então o Diabo tomará conta de ti, guiar-te-á - então será o único a guiar-te.
Gostaria de dizer-te que aquele provérbio é inteiramente errado. Só o próprio Diabo o poderia tê-lo sugerido.
Essa obsessão deve ser observada. E deves observá-la em tua própria vida, porque, seja o que for que eu ou Tilopa digamos, nada terá muita significação, a não ser que tu próprio a vejas, que a sintas como inconveniente e desnecessária. Por que tanta atividade em ti?
Viajando, tenho visto pessoas, constantemente, fazendo a mesma coisa, muitas e muitas vezes. Durante vinte e quatro horas estive com um passageiro , num trem. Ele leu o mesmo jornal várias vezes, nada encontrando para fazer. Fechada no compartimento de um trem, uma pessoa não tem muitas oportunidades para ser ativa; por isso ele lia e relia o jornal. Que estava fazendo aquele homem?
Um jornal não é o Gita ou a Bíblia. Podes ler o Gita muitas vezes, porque, a cada vez, encontras nova significação. Mas um jornal não é o Gita: desde que o leste, acabou-se! Não vale a pena lê-lo nem mesmo uma vez mais e, contudo, as pessoas lêem, relêem e continuam a ler. Qual é o problema? É uma necessidade isso? Não. - Essas pessoas estão obcecadas, não podem permanecer em silêncio, inativas. É impossível para elas; consideram que a inatividade se parece à morte. Têm de ser ativas.
Viajando por muitos anos, tive muitas oportunidades de observar as pessoas sem que elas o percebessem; às vezes, só uma pessoa estava comigo, em meu compartimento, e fazia todos os esforços para levar-me a conversar. Eu dizia sim ou não, até que ela desistisse. Então eu podia simplesmente observar - uma bela experiência, sem qualquer despesa.
Observava a pessoa: ela abria a maleta - e eu podia ver que nada estava fazendo - olhava para dentro, fechava-a. Então abria a janela e depois fechava. Voltava ao jornal, fumava, tornava a abrir a maleta, arranjava-a de novo, abria a janela, olhava para fora... que estava fazendo? E por quê? Por causa de um anseio interior, algo que tremia dentro dela, um estado de espírito febril. Tinha de fazer alguma coisa, para não se sentir perdida. Devia tratar-se de alguém de vida ativa que, agora que tinha um momento para relaxar, não podia fazê-lo - o velho hábito persistia.
Dizem que Aurangzeb, um imperador mongol, aprisionou seu velho pai. O pai de Aurangzeb, Shan Jehan, construiu o Taj Mahal. Aurangzeb destronou-o e o aprisionou. Dizem - e consta da autobiografia de Aurangzeb - que, depois de alguns dias, Shan Jehan não se preocupava com o fato de estar preso, porque fora rodeado de todo o luxo. Estava num palácio e vivendo como vivia antes. Aquilo não se parecia a uma prisão; tudo, absolutamente tudo o que lhe fosse necessário, encontrava-se ali. Só uma coisa faltava - atividade. Então, ele disse a Aurangzeb: - “Está certo; providenciaste tudo para mim e tudo é lindo. Se puderes fazer apenas uma coisa mais, serei eternamente agradecido. Manda-me trinta rapazes. Eu gostaria de dar-lhes lições.”
Aurangzeb não podia acreditar no que ouvia. - “Por que meu pai gostaria de dar lições a trinta rapazes? Jamais mostrou qualquer inclinação para o magistério, jamais se interessou por nenhum tipo de educação. Que aconteceu a ele?” - Mas atendeu ao pedido. Foram mandados aos trinta rapazes e tudo estava bem. Ele se tornava, de novo, o imperador - de trinta rapazinhos. Observemos uma escola primária; o professor é quase o imperador: manda que se sentem e os alunos têm de sentar-se. Pode ordenar que se levantem, e eles terão de levantar-se. E, naquela sala, com os trinta rapazinhos, Shan Jehan criou toda a situação da sua corte: um velho hábito, e o velho apego à droga de dar ordens às pessoas.
Os psicólogos suspeitam que os professores são, na verdade, políticos. Não bastante autoconfiantes para ingressarem na política, vão para as escolas e ali se tornam presidentes, primeiros-ministros, imperadores. Como seus alunos são crianças pequenas, eles lhes dão ordens, forçam-nas.
Os psicólogos suspeitam, também, que os professores inclinam-se ao sadismo, e que gostariam de torturar. E não há lugar melhor para isso do que uma escola primária. Podes torturar crianças inocentes - e podes torturá-las por elas mesmas, para o bem delas. Observa! Estive em escolas primárias, falando, e estudei os professores. E o que os psicólogos suspeitam é verdade para mim: são torturadores. Não é possível encontrar vítimas mais inocentes, completamente desarmadas, sem possibilidade sequer de resistir que as crianças. São tão fracas e indefesas que, diante delas, o professor levanta-se como um imperador.
Aurangzeb escreve, em sua autobiografia: “Meu pai, exatamente por causa dos velhos hábitos, ainda quer fazer de conta que é o imperador. Deixemo-lo fazer de conta, iludir-se, nada há de mal nisso. Mande-se-lhe trinta rapazinhos, ou trezentos, quantos ele quiser. Que ele dirija uma madersa, uma pequena escola, e seja feliz.”
A atividade existe quando a ação não é importante. Observa em ti mesmo: noventa por cento da tua energia perde-se em atividade. E, por esse motivo, quando chega o momento da ação, não te sobra energia alguma. Uma pessoa relaxada é, simplesmente, uma pessoa destituída de obsessão; a energia acumula-se nela. Conserva sua energia automaticamente e, então, quando chega o momento de agir, todo o seu ser flui para a ação. Por isso a ação é total. A atividade, por outro lado, é sempre exercida como meia disposição, porque não é possível que nos iludamos completamente. Nós sabemos que é inútil. Estamos conscientes de que fazemos determinadas coisas por algumas razões febris interiores, que nem mesmo são muito claras para nós, pois se apresentam vagas.
Podes mudar as atividades, mas, a menos que sejam transformadas em ações, não adiantarão. As pessoas dizem: - “Eu gostaria de deixar de fumar.” E eu digo: “Por quê? É uma MT tão bonita! Continua, porque, se deixares, começarás outra coisa: poderás começar a mascar pan, poderás mascar goma ou a fazer coisas ainda mais perigosas. Estas são coisas inocentes porque, quando mascas goma, estás mascando a ti próprio. Podes ser um tolo, mas não és violento, não és destrutivo para ninguém mais. Se parares de mascar goma, de fumar, o que farás? Tua boca precisa de atividade, ela é violenta e, então, falarás, falarás continuamente - blá, blá, blá - e isso é mais perigoso.
A esposa de Mulla Nasrudin veio cá um desses dias. Raramente me visita, mas, quando vem, eu percebo, imediatamente, que deve ter havido alguma crise. Então, perguntei: - “Que aconteceu?” Ela usou trinta minutos e milhares de palavras para dizer-me: - “Mulla Nurasdin fala quando dorme. Tu sugeres alguma coisa? Que deve ser feito? Ele fala demais e torna-se difícil dormir no mesmo quarto, pois ele grita e diz coisas obscenas.”
Então, respondi: - “Nada deve ser feito. Dê-lhe, apenas, a possibilidade de falar quando estão ambos acordados.”
As pessoas falam, sem dar qualquer oportunidade às demais. Falar é como fumar. Se falas vinte e quatro horas por dia... e falas... falas enquanto estás acordado. Teu corpo se cansa e adormeces, mas continuas a falar. O relógio faz toda a sua volta, vinte e quatro horas e tu estás falando, falando. É como fumar, porque o fenômeno é o mesmo: a boca precisa de movimentos. A boca é a atividade básica, porque é a primeira atividade que inicias na vida.
Uma criança nasce e começa a sugar o seio materno: essa é a primeira atividade. E fumar é como sugar um seio; o leite morno flui como flui a fumaça morna, quando se fuma. E o cigarro entre os lábios é como o bico do seio materno. Se não te permitirem fumar, masca um pouco de goma, ou qualquer coisa assim, pois, senão, tu falarás, o que é mais perigoso, porque estarás atirando teu lixo para as mentes de outros.
Consegues ficar em silêncio por muito tempo? Os psicólogos dizem que, se permaneceres em silêncio durante três semanas, começarás a falar contigo mesmo. Então, estarás dividido em dois: falarás e ouvirás também. E, se permaneceres em silêncio durante três meses, estarás inteiramente pronto para o hospício, porque, então, já não te incomodarás em saber se alguém está ou não a teu lado. Falarás e, não só falarás, como responderás também - estarás completo, dependerás de ninguém. Assim é um lunático.
O lunático é uma pessoa cujo mundo está confinado inteiramente a si próprio. É ele quem fala e é ele quem ouve. É o ator e espectador, é tudo; todo seu mundo está confinado a si próprio. Dividiu-se em muitas partes e fragmentou-se. Por isso é que as pessoas receiam o silêncio - sabem que podem enlouquecer. E, se receias o silêncio, é porque tens, dentro de ti, uma mente obsessiva, febril, doente, que está constantemente pedindo para ser ativa.
A atividade é a tua fuga de ti mesmo. Na ação, tu és; na atividade tu te esqueces; não há preocupações, nem angústia, nem ansiedade. Por isso é que precisas estar constantemente ativo, fazendo isto ou aquilo, mas nunca num estado em que o não-fazer floresça e desabroche em ti.
A ação é boa. A atividade é má. Procura a distinção, dentro de ti, entre o que é atividade e o que é ação: esse é o primeiro passo. O segundo é envolver-se mais na ação, de forma que a energia se transforme em ação; e, onde quer que haja atividade, sê mais observador a esse respeito, mais alerta. Se estiveres consciente, a atividade cessará, a energia será preservada e se transformará em ação.
A ação é imediata. Não é preparada, não é pré-fabricada. Não te dá qualquer oportunidade de preparação de passar por um ensaio. A ação é sempre nova e revigorante como o orvalho da manhã. E a pessoa de ação é, também, alguém sempre revigorante e jovem.
O corpo pode ficar velho, mas o frescor continua. O corpo pode morrer, mas sua juventude continua. O corpo pode desaparecer, mas ele continua - porque Deus ama o frescor. Deus está sempre com o que é novo e revigorante.
Deixa de lado, cada vez mais, a atividade. Mas como farás isso? Podes tornar esse mesmo desejo de deixar de lado uma obsessão. Foi isso o que aconteceu aos monges, nos mosteiros? Deixar de lado a atividade tornou-se para eles uma obsessão. Estão continuamente fazendo alguma coisa para deixá-la: rezas, meditações, ioga, isto ou aquilo - coisas que também são atividades. Não a podes deixar de lado dessa maneira, pois ela entrará pela porta dos fundos.
Presta atenção. Vê qual é a diferença entre ação e atividade. E, quando a atividade tomar conta de ti - e na verdade isso pode ser chamado de possessão -, quando a atividade se apossar de ti, como um fantasma (e a atividade é um fantasma, vem do passado, está morta), quando a atividade se apossar de ti, digo, então tem ainda mais cuidado: é tudo quanto podes fazer. Observa-a. Mesmo que a tenhas de usar, usa-a em perfeita consciência. Fuma, mas fuma bem devagar, com perfeito conhecimento, de forma que possas ver o que está fazendo.
Se és capaz de observar o ato de fumar, chegará o dia em que o cigarro cairá de teus dedos, porque o absurdo do fumar te será revelado. É algo estúpido, simplesmente estúpido, idiota! Quando compreenderes isso, o cigarro, simplesmente, cairá de teus dedos. Não o podes atirar, porque atirar é uma atividade. Por isso é que o cigarro simplesmente cairá, tal como folha morta caindo da árvore. Se o tiveres atirado, irás apanhá-lo novamente, sob outra forma, de uma outra maneira.
Deixa que as coisas caiam; não as faças cair. Deixa a atividade desaparecer, mas não a forces a isso, porque o próprio esforço para levá-la a desaparecer é novamente atividade, sob outro aspecto. Vigia, sê alerta, consciente e alcançarás um fenômeno muito, muito milagroso: quando algo cai por si mesmo, de seu próprio acordo, não deixa traços em ti. Se forças a queda, porém, então fica o traço, fica a cicatriz. Sempre te gabarás de que fumaste durante trinta anos e, então, tu deixaste o cigarro. Bem, essa gabolice é atividade: falando sobre isso estás agindo da mesma maneira: não fumas, mas falas demais sobre o fato de teres deixado de fumar. Teus lábios estão de novo em atividade, tua boca está funcionando, tua violência está presente.
Quando um homem realmente compreende, as coisas caem e, então, ninguém pode receber crédito por isso. “Eu deixei”. Elas próprias deixaram. Tu não deixaste. Dessa maneira o ego não se fortalece através disso. E, então, mais e mais ações se tornarão possíveis. Quando quer que tenhas uma oportunidade de agir totalmente, não a percas, não vaciles - age.
Age mais e deixa que as atividades caiam por sua própria vontade. Uma transformação se fará em ti, paulatinamente. Leva tempo, é preciso amadurecimento, mas também não há pressa.
Agora, entremos no sutra.
Nada faças com o corpo, porém relaxa; fecha com firmeza a boca e permanece silente; esvazia tua mente e não penses em nada.
Nada faças com o corpo, porém relaxa. Agora podes compreender o que significa relaxar. Significa que não há em ti anseio de atividade. Relaxar não significa ficar deitado como um morto e, além disso não podes ficar deitado como um morto - só podes fazer de conta. Como podes ficar deitado, tu, como um morto? Estás vivo; podes apenas fazer de conta. Podes relaxar apenas quando não há anseio de atividade em ti. A energia está presente e não anda se movendo por aí. Se determinadas situações aparecem, tu agirás e isso é tudo, mas não estarás procurando pretextos para agir. Estás de bem contigo mesmo. Estar relaxado é estar em casa.
Há alguns anos atrás, eu estava lendo um livro cujo título era Deves Relaxar. Só o título já era simplesmente absurdo, porque o deve é contra o ato de relaxar - livros assim só podem ser vendidos na América. Deve significa atividade, é uma obsessão. Sempre que há um deve, há uma obsessão escondida atrás dele. Há ações na vida, mas não há deve; quando não, o deve originará a loucura. Deves relaxar - e o ato de relaxar torna-se a obsessão. Deves tomar esta ou aquela postura, deitar-te, sugerir afrouxamento ao teu corpo, da cabeça aos pés. Dize aos dedos dos pés: “Relaxem!” e, então, ergue-te...
Por que deves? O repouso, o afrouxamento só vêm quando não há deves em tua vida. O repouso não é apenas do corpo, não é apenas da mente, é de todo o teu ser.
Estás demasiadamente ativo e, portanto, cansado, dissipado, ressecado, gelado. A energia vital não se move. Há apenas blocos, blocos e blocos. Tudo quanto fazes, o fazes em loucura. É natural que a necessidade de relaxar apareça. Por isso é que tantos livros sobre o ato de relaxar são escritos todos os meses; mas eu nunca vi alguém que se relaxasse por ter lido um livro sobre o ato de relaxar - essa pessoa torna-se mais febril ainda, ao ver que toda a sua vida de atividade permanece intacta. A obsessão de ser ativa permanece nela, a doença permanece nela, e ela fantasia estar relaxada e deita-se. Todo o torvelhinho interior, todo o vulcão estão prestes a irromper e ela diz estar relaxando, seguindo as instruções de um livro: como relaxar.
Não há livro algum que te possa ensinar a relaxar, a não ser que leias teu próprio ser interior, e, nesse caso, o ato de relaxar não será um dever. O relaxar é uma ausência, uma ausência de atividade, não de ação. Portanto, não há necessidade de mudar para os Himalaias. Algumas pessoas fizeram isso: para relaxar, foram aos Himalaias. Qual a necessidade há de ir para os Himalaias? Não se pode deixar de lado a ação, porque, ao deixares de lado a ação, deixas de lado a vida. Então estarás morto, mas não relaxado. Por isso, nos Himalaias, encontrarás sábios que estão mortos, mas não relaxados. Fugiram à vida, à ação.
Esta é a sutileza a ser entendida: a atividade deve ser eliminada, mas não a ação - e eliminar ambas é fácil. Podes abandoná-los e fugir para os Himalaias, isso é fácil. Ou, há outra coisa fácil: continuar as atividades e forçar-te, a cada manhã, ou a cada noite, a relaxar durante alguns minutos. Não compreendes a complexidade da mente humana, o seu mecanismo. O relaxamento é um estado. Tu não o podes forçar. Abandona, simplesmente, as negatividades, os obstáculos, e ele virá, borbulhará por si mesmo.
Que fazes quando vais dormir, todas as noites? Fazes alguma coisa? Se fazes, és um insone, tens insônia. Que fazes? Simplesmente deitas-te e dormes. Não há “fazer” nisso. Se “fizeres”, ser-te-á impossível dormir. Na verdade, para dormir, o necessário é, apenas, interromper, na mente a continuação das atividades do dia. Isso é tudo! Quando a atividade não está mais na mente, ela relaxa e adormece. Se fizeres alguma coisa para adormecer, estarás perdido, o sono será impossível. Não há a menor necessidade de se “fazer” algo.
Diz Tilopa: - “Nada faças com o corpo, a não ser relaxar.” Nada faças! Não há necessidade de postura iogue, não há necessidade de distorções e contorções do corpo. Nada faças! Só a ausência de atividade é que é necessária. E como a obteremos? Através da compreensão. A compreensão é a única disciplina. Compreende as tuas atividades, que, então, em meio a essa atividade, tornar-te-ás consciente e deterás a ti mesmo. Se te tornares consciente do porquê de fazeres o que fazer, a atividade cessará. E essa imobilidade é o que Tilopa quer te fazer sentir, quando diz: - “Nada faças com o corpo, a não ser relaxar.”
O que é relaxamento? É um estado em que tua energia não se dirige para parte alguma, nem para o futuro, nem para o passado - está ali simplesmente, contigo. Na concentração silenciosa de tua própria energia, em seu calor, permaneces envolvido. Esse momento é tudo. Não há outro momento. O tempo pára e, então, o relaxamento existe. Se o tempo está presente, não há relaxamento. Simplesmente, o relógio pára; não há tempo. Esse momento é tudo. Tudo não pedes mais nada, apenas gozas o momento. As coisas simples podem ser gozadas, apreciadas, porque são belas. Na verdade, nada é comum - se Deus existe, tudo é extraordinário.
Há pessoas que me procuram e perguntam: - “Acreditas em Deus?” - Eu respondo: - “Sim, porque tudo é tão extraordinário que como poderia ser sem que em tudo houvesse uma profunda consciência?” Pequenas coisas, apenas:
Caminhas sobre a grama quando as gotas de orvalho ainda não se evaporaram, e sentindo totalmente a textura, o toque da grama, a frescura das gotas de orvalho, o vento da manhã, o nascer do sol.
Que mais precisas tu para ser feliz? Que mais é necessário para ser feliz?
Apenas deitar-te à noite em teu leito, sentindo-lhe a textura, sentindo que ele se vai tornando aquecido, que estás envolvido pela escuridão, pelo silêncio da noite. Com os olhos fechados, tu simplesmente sentes a ti mesmo. De que mais precisas? Isso é demais e uma profunda gratidão surge: isso é relaxamento.
O relaxamento significa que o momento é mais do que suficiente, mais do que se pode solicitar ou desejar - e, então, a energia não se desloca para parte alguma.
Ela se torna uma plácida concentração. Em tua própria energia tu te dissolves. Esse momento é o do relaxamento. O relaxamento não é do corpo nem da mente, o relaxamento é do total.
Por isso é que os Budas diziam: - “Faze-te sem desejos.” Sabiam que, quando há desejo, não há relaxamento. E mandavam que se enterrassem os mortos, porque, se te preocupares demais com o passado, não poderás relaxar. E ainda diziam mais: - “Goza cada momento.”
Jesus disse: - “Olhai os lírios do campo, que não trabalham e são mais belos; seu esplendor é maior do que o do rei Salomão. Estão envolvidos por um aroma mais belo do que aquele de que jamais o Rei Salomão fez uso. Olha, considera os lírios!”
Que queria dizer com isso? Queria dizer: - “Relaxa! Não precisas labutar na verdade, está provido de tudo.” Jesus disse: - “Se Ele cuida das aves do espaço, dos animais, das feras, das árvores e das plantas, por que então, te preocupas? Ele não irá cuidar de ti?” Isso é relaxamento. Por que te preocupas tanto com o futuro? Considera os lírios, observa os lírios, sê como os lírios - e então relaxarás. O relaxamento não é uma postura, o relaxamento é a transformação total da tua energia.
A energia tem duas dimensões. Uma delas é motivada, vai a algum lugar, a um objetivo que está algures. O momento é apenas um meio; o objetivo tem de ser alcançado em outro lugar. Essa é uma das dimensões da tua energia, essa é a dimensão da atividade orientada para um objetivo - neste caso, tudo é um meio. Farás seja o que for que tenhas de fazer, para alcançar o objetivo: então, relaxarás. Entretanto, o objetivo jamais é alcançado, porque essa energia se modifica a cada momento, tornando-se um meio para alguma outra coisa, situada no futuro. O objetivo permanece sempre no horizonte. Tu continuas correndo, mas a distância permanece a mesma.
Existe uma outra dimensão da energia: é uma celebração não-motivada. O objetivo está presente agora; o objetivo não é uma outra coisa. Na verdade, não há outra realização a não ser essa, deste momento; considera os lírios. Quando és tu o objetivo e quando o objetivo não está no futuro, nada há a ser alcançado e tu estarás, então, celebrando-o; já o alcançaste, ele está ali. Isso é relaxamento, energia não-motivada.
Por isso, para mim, há dois tipos de energia: a dos buscadores de objetivos e a dos realizadores. Os que são orientados para o objetivo são os loucos, enlouquecem aos poucos e criam suas próprias loucuras. As loucuras têm seu próprio impulso; aprofundam-se os buscadores de objetivos cada vez mais nelas e, então, ficam completamente perdidos. O outro tipo de pessoa não é um buscador de objetivos, não é absolutamente um buscador, é realizador.
E isto eu te ensino: sê um realizador, realiza! Já existe demais o que celebrar: as flores desabrocharam, os pássaros estão cantando, o sol ali está, no céu - celebra isso! Tu respiras, estás vivo, tens deixa de haver tensão; então, já não existe angústia. Toda a energia transformada em angústia torna-se, então, gratidão: teu coração continua batendo com agradecida potência - isso é uma oração. Isto é o que significa toda oração: um coração que bate, profundamente agradecido.
Nada faças com o corpo, a não ser relaxar.
Não há necessidade de fazer coisa alguma para isso. Compreende, apenas, o movimento da energia, do não-motivado movimento da energia. Ele flui, mas não para um objetivo; flui para uma celebração. Move-se, não para um alvo, move-se por causa de sua própria e transbordante energia.
Uma criança está dançando, saltando e correndo, e tu perguntas: - “Para onde vais?” - Ela não vai a parte alguma e parecerás um tolo para aquela criança. As crianças sempre acham que os adultos são tolos. Que pergunta disparatada - “Para onde vais?” Há, por acaso, necessidade de ir a algum lugar? A criança não pode responder tua pergunta, simplesmente porque ela é despropositada. Ela não está indo a parte alguma. Simplesmente encolherá os ombros, e dirá: - “A nenhum lugar.” - E daí, a mente, orientada para o objetivo, pergunta: - “Então, por que estás correndo?” Para nós uma atividade é relevante quando leva a algum lugar.
E eu te digo que não há para onde ir, aqui está tudo; toda a existência culmina neste momento, converge para este momento. Toda a existência já se está derramando neste momento; tudo quanto nela existe já está se derramando para este momento - está aqui, agora.
Uma criança está, simplesmente, gozando a energia. Ela a tem demais. Está correndo, não porque tenha de chegar a algum lugar, mas porque tem energia demais; precisa correr.
Age sem motivação, apenas como um transbordamento da tua energia. Compartilha, mas não comercies, não faças barganhas. Dá porque tens; não dês para receber em troca, porque senão cairás em desgraça. Todos os comerciantes vão para o inferno. Se quiseres encontrar os maiores negocistas e barganhadores, vai ao inferno que ali os encontrarás. O céu não é para comerciantes; o céu é para os que celebram.
Sempre, na teologia cristã, durante séculos, foi feita uma pergunta: que fazem os anjos no céu? Eis uma pergunta apropriada para os que são orientados para um objetivo. Que fazem os anjos no céu? Nada parece que se faça lá; nada há de fazer no céu. Alguém perguntou a Meister Eckhard: - “Que fazem os anjos no céu?” E ele respondeu: - “Que espécie de tolo és tu? O céu é um lugar para celebração. Eles não fazem coisa alguma. Simplesmente, celebram aquela glória, aquela magnificência, aquela poesia, aquele florescimento - celebram, apenas. Cantam, dançam, celebram.” Não penso, contudo, que aquela pessoa tivesse ficado satisfeita com a resposta de Meister Eckhard, porque, para nós, uma atividade só tem propósito quando leva a alguma coisa, quando há um objetivo.
Lembra-te, a atividade é orientada para um objetivo; a ação não o é. A ação é um transbordamento de energia, a ação existe neste momento; é uma resposta não-preparada, não-ensaiada. Toda a existência vem a teu encontro, enfrenta-te, e tua resposta sai naturalmente. Os pássaros estão cantando e tu começas a cantar - isso não é atividade. Subitamente acontece. Subitamente, vês que está acontecendo; vês que começaste a cantarolar - isso é ação.
E, se te tornares cada vez mais envolvido na ação e cada vez menos ocupado com a atividade, tua vida se modificará e se tornará um profundo relaxamento. Então, tu “ages”, mas permaneces relaxado. Um Buda jamais está cansado. Por quê? Porque é uma pessoa de ação. O que quer que tenha, ele dá, ele transborda.
Nada faças com o corpo, a não ser relaxar; fecha tua boca com firmeza, e permanece silente.
A boca é, realmente, muito, muito significativa, porque é ela que exerce a primeira atividade; teus lábios iniciam sua primeira atividade. A partir da região da boca inicia-se toda a atividade: tu respiraste, tu choraste, tu começaste a procurar o seio de tua mãe. E tua boca permaneceu, sempre, em franca atividade. Por isso é que Tilopa sugere: “Compreende a atividade, compreende a ação, relaxa, e... fecha com firmeza tua boca.”
Quando quer que te sentes para meditar, quando quer que desejes permanecer em silêncio, a primeira coisa a fazer é fechar completamente a boca. Se fechares completamente a boca, tua língua tocará o palato e ambos os lábios permanecerão completamente fechados. Fecha-a completamente - mas isso só poderá ser feito, se estiveres seguindo as coisas que te tenho estado a dizer, e não antes.
És capaz disso! Fechar a boca não requer um esforço muito grande. Podes permanecer sentado como uma estátua, com a boca inteiramente fechada, mas isso não deterá a atividade. Bem lá na profundidade, o pensamento continuará e, se o pensamento continua, tu podes sentir a sutil vibração dos lábios. Outros podem não ser capazes de observá-la, porque ela é muito sutil, mas, sempre que estás pensando, teus lábios fremem um pouquinho, um frêmito muitíssimo sutil.
Quando realmente relaxas, o frêmito cessa. Não estás falando, não estás tendo nenhuma atividade interior. “Fecha com firmeza tua boca e permanece silente.” E então, não penses.
Que farás? Os pensamentos vêm e vão. Deixa que venham e vão, pois esse não é o problema. Não te envolvas; conserva-te distante, desligado. Observa-os, simplesmente, conforme vêm e vão. Nada tens com eles. Fecha tua boca e permanece silente. Aos poucos e automaticamente os pensamentos cessarão - eles precisam da tua cooperação para se apresentarem. Se cooperares, estarão ali; se os combateres, também estarão ali - porque ambas as coisas são formas de cooperação: uma pró, outra contra, mas ambas são uma espécie de atividade. Tu deves apenas observar.
Fechar a boca, entretanto, ajuda muito. Assim, em primeiro lugar, conforme tenho observado em muitas pessoas, sugiro que primeiro bocejes: abre tua boca tão amplamente quanto possível, estira tua boca tão amplamente quanto possível, boceja completamente, a ponto de sentires alguma dor; e faze isso por duas ou três vezes. Isso te ajudará a manter a boca fechada por mais tempo. E então, durante dois ou três minutos, fala em voz alta uma algaravia qualquer, uma tolice qualquer. Tudo quanto te vier à mente, dize em voz alta, gozando aquilo. Então, fecha tua boca.
É sempre mais fácil partir do lado oposto. Quando quiseres relaxar tua mão, é melhor fazê-la, antes, o mais tensa possível. Fecha os punhos o mais tensamente possível - faze o oposto - e, então, relaxa. Assim conseguirás um relaxamento mais profundo do sistema nervoso. Faze gestos, caretas, movimentos do rosto, distorções, bocejos, fala tolices durante dois ou três minutos e, então, fecha tua boca. Essa tensão irá dar-te uma possibilidade mais profunda de relaxar os lábios e a boca. Fecha a boca e passa a ser apenas um observador. Depressa o silêncio descerá sobre ti.
Há dois tipos de silêncio. Um é o silêncio que forças a descer sobre ti. Não é muito benéfico; é uma violência, uma espécie de estupro da mente, é agressivo. E há outra espécie de silêncio, que desce sobre ti como a noite. Vem e te envolve. Tu apenas crias a possibilidade de ele acontecer (é a receptividade), e ele vem. Fecha a boca, observa e não tentes permanecer silencioso. Se tentares, poderás forçar alguns minutos de silêncio, mas não terão valor algum, pois, dentro de ti, continuas fervendo. Portanto, não tentes ficar silencioso. Cria, simplesmente a situação - o solo; planta a semente e espera.
Esvazia tua mente e não penses em nada.
Como farás para esvaziar a mente? Quando os pensamentos vierem, observa. A observação tem de ser feita com uma precaução: deve ser passiva, e não ativa. Há mecanismos sutis que deves compreender, senão poderás falhar em algum ponto. E, se falhares numa pequena coisa, tudo mudará de qualidade. Observa: observa passivamente, não ativamente.
Qual é a diferença? Quando estás esperando por tua namorada, ou por teu apaixonado, observas ativamente. Alguém passa pela porta e tu saltas, para ver se ela chegou. Depois, apenas ouves folhas sacudidas pelo vento e pensas que talvez ela tenha chegado. Estás sobressaltado; tua mente mostra-se muito inquieta, muito ativa. Não; isso não adiantará. Se estiveres demasiado inquieto e demasiado ativo, não te chegarás ao silêncio de Tilopa, ou ao meu silêncio. Sê passivo como quando te sentas à margem de um rio, enquanto ele flui; simplesmente observa. Não há aflição, não há urgência, não há emergência. Ninguém te está forçando. Mesmo que deixes passar, nada estará perdido. Tu, simplesmente, observas, olhas apenas. Mesmo a palavra observa não é boa, porque traz, em si, um elemento de atividade. Tu, simplesmente, olhas e nada tens a fazer. Senta-te, simplesmente, à margem do rio, olha enquanto o rio flui. Ou olha para o céu enquanto as nuvens flutuam; olha passivamente.
É muito, mas muito essencial que essa passividade seja compreendida, porque a tua obsessão pela atividade pode tornar-se inquietação, pode fazer-se uma espera ative e, então, podes pôr tudo a perder. A atividade pode tornar a entrar pela porta dos fundos. Sê um observador passivo.
Esvazia tua mente e não penses em nada.
A passividade esvaziará automaticamente tua mente. Ondulações de atividade, ondulações de energia mental se aquietarão, aos poucos, e toda a superfície da tua consciência ficará sem ondas, sem qualquer ondulação. Tornar-se-á um espelho silencioso.
Como um bambu oco, repousa bem teu corpo.
Esse é um dos métodos especiais de Tilopa. Cada Mestre tem seu método especial, através do qual ele alcançou e através do qual gostaria de ajudar outros. Essa é a especialidade de Tilopa: Como um bambu oco, repousa bem teu corpo.
Um bambu é completamente oco por dentro. Quando repousas, procura sentir-te como um bambu: completamente oco e vazio por dentro. E é realmente assim: teu corpo é tal e qual um bambu, oco por dentro. Tua pele, teus ossos, teu sangue, fazem parte do bambu mas dentro há espaço, esvaziamento.
Quando estás sentado, a boca inteiramente silenciosa, inativa, a língua tocando o palato e silente, sem fremir com os pensamentos, a mente observando passivamente, sem esperar por coisa alguma em particular, sentes-te como um bambu oco - e, subitamente, infinita energia começa a derramar-se dentro de ti; ficas repleto do Desconhecido, do misterioso, do Divino.
Um bambu oco torna-se uma flauta e o Divino começa a tocar com ela. Desde que estejas vazio não haverá barreiras para o Divino entrar em ti.
Tenta isso: é uma das mais belas meditações - a meditação de se tornar um bambu oco. Não precisas fazer nada. Tu simplesmente te transformas - e tudo o mais acontece. Subitamente, sentes que algo desce para o teu espaço vazio. És como um útero e vida nova está entrando em ti; uma semente está caindo. E chega o momento em que o bambu desaparece completamente.
Como um bambu oco, repousa bem teu corpo.
Repousa bem, não desejes coisas espirituais, não desejes o céu, nem mesmo desejes Deus. Deus não pode ser desejado. Quando estiveres destituído de desejos, Ele virá ter contigo. A libertação não pode ser desejada, porque o desejo é um laço. Quando estás livre de desejos, estás liberado. O estado de Buda não pode ser desejado, porque o desejo é um obstáculo. Quando não existem barreiras, Buda explode em ti. Já tens a semente. Quando estás vazio, há um espaço - e a semente explode.
Como um bambu oco, repousa bem teu corpo. Sem dar nem receber, repousa tua mente.
Não há nada a dar, nada a receber. Tudo está absolutamente em ordem, tal como está. Não há necessidade alguma de dar ou receber. Estás absolutamente perfeito, como és.
Esse ensinamento do Oriente tem sido muito mal interpretado no Ocidente, porque dizem: que espécie de ensinamento é esse? Então as pessoas não lutarão, não tentarão chegar a maior altura? Então, não farão um esforço para modificar seu caráter, para mudar suas maneiras más, obtendo as boas? Acabarão vítimas do Diabo. No Ocidente, “Melhora a ti mesmo” é a recomendação. Em termos deste mundo, ou em termos de outro mundo, mas melhora. Como melhorar? Como tornar-se maior e ganhar grandeza?
No Oriente entendemos isso muito mais profundamente: compreendemos que o próprio esforço se constitui numa barreira, porque já estás levando teu ser contigo. Não precisas transformar-te em coisa alguma; basta que compreendas quem és, isso é tudo. Compreende, apenas, quem se esconde dentro de ti. Melhorar, seja no que for que melhores, sempre te trará angústia e ansiedade, porque o próprio esforço para melhorar te estará levando para o caminho errado. Isso torna o futuro significativo, o objetivo significativo, os ideais significativos e, assim, tua mente torna-se um infinito desejar.
Põe de lado o desejar. Deixa que o desejar desapareça, torna-te um silencioso lago de não-desejos - e, de repente, serás surpreendido: inesperadamente, ele estará ali. E rirás gostosamente, como Bodidarma riu. Os seguidores de Bodidarma dizem que, quando tornas a ficar silencioso, podes ouvir-lhe a gargalhada. Ele ainda está rindo. Não parou de rir desde então. Ri porque “que tipo de brincadeira é essa? Já és o que estavas tentando ser! Como podes ter êxito, se já és aquilo que estás tentando ser? Teu fracasso é absolutamente certo. Como é possível que te tornes aquilo que já és?” Por isso é que Bodidarma riu.
Bodidarma foi um contemporâneo de Tilopa. Talvez se tenham conhecido, possivelmente não fisicamente, mas devem ter se conhecido - eram seres da mesma qualidade.
Sem dar nem receber, repousa tua mente. Mahamudra é como a mente que a nada se prende. Alcançaste, se não te prendeste. Nada em tuas mãos, e alcançaste.
Mahamudra é como a mente que a nada se prende. Assim praticando, alcançarás, em tempo, o estado de Buda.
Que se deve praticar, então? Estar cada vez mais à vontade. Estar, cada vez mais, aqui e agora. Estar, cada vez mais, em ação e cada vez menos em atividade.
Ser, cada vez mais, oco, vazio, passivo. Ser, cada vez mais, um observador - indiferente, sem nada esperar, sem nada desejar.
Ser feliz contigo, tal como és. Estar em celebração.
E, então, a qualquer momento, a qualquer momento, quando as coisas estiverem maduras e a estação certa chegar, tu florescerás como um Buda.
Fonte: http://www.centrometamorfose.com.br/artigos/tantra_4_bambu-oco.htm
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