domingo, 28 de abril de 2013

A libertação - 3(A dor da perda)



“As perdas mais comuns pertencem ao universo do ter, ao externo, ao que está lá fora, àquilo que eu penso que é meu: pessoas, inclusive”, diz o médico homeopata paulista Adair Zan. Esse sentimento pode se tornar muito possessivo e gerar uma enorme quantidade de sofrimento. “O primeiro passo é questionar se tenho direito a essa propriedade. Quem ama mesmo é capaz de soltar, de libertar. Não é sábio marcar a vida, ou o amor, em territórios delimitados. É uma ilusão pensar que somos capazes de mantê-los a qualquer custo.”

Segundo Zan, existe todo um arsenal dentro da homeopatia para que as pessoas enfrentem suas perdas da melhor forma possível. O período após a perda inclui várias fases, e cada um as vivencia do seu jeito. Ele pode incluir a raiva num primeiro momento, mas também um tempo em que o paciente se julga vítima. “É a fase da pena de si mesmo. A noção de que o destino, ou uma pessoa, foi muito injusto conosco agrava enormemente a sensação de dor e perda”, diz. É o caso, digamos, da traição ou de uma demissão arbitrária. “A diferença é que, no exemplo corporativo, a assimilação é mais fácil. O funcionário é que foi demitido, não a pessoa. Em se tratando da traição, a dor é pessoal, carregada de peso cultural.” No caso de uma demissão dolorosa, depois de algum tempo, e com ajuda externa, a sensação de inteireza e de autoestima pode voltar. “Se o ato foi injusto, chega-se à sensação de que quem perdeu mesmo foi a empresa. Ou de que a saída do emprego provocou um panorama profissional inesperadamente mais positivo”, afirma Zan.

“Já na traição amorosa, a sensação de ter sido ‘trocado’ por alguém nos atinge diretamente na pessoalidade”, diz ele. O médico acredita que, por meio de uma reflexão verdadeira – capaz de reconhecer, por exemplo, que a relação já apresentava sinais de desgaste que foram ignorados –, é possível chegar a um novo equilíbrio. A racionalidade justa pode contrapor um excesso de emocionalidade: pode-se perceber, por exemplo, que a insatisfação do parceiro não foi expressa por falta de diálogo. E essa carência de comunicação é capaz de ocorrer, ironicamente, até por receio de perder o parceiro e o relacionamento com ele.

Enxergar sua parte, sua responsabilidade num processo de separação também é muito curativo. “O ideal é que o namorado ou o cônjuge pudesse um dia sentar e conversar com o ex-parceiro sobre isso, para chegar às verdadeiras causas do rompimento. Como é bem difícil isso acontecer, podemos traçar esse caminho com a ajuda de um terapeuta”, avalia o médico.

Essa compreensão chegou à publicitária Antônia Guedes alguns anos depois de ter rompido sua relação. Ela abandonou tudo – emprego, casa, pais idosos – para viver com o namorado na Alemanha. “Era tanta felicidade que parecia um conto de fadas, um sonho. Culpei durante muito tempo meu ex-companheiro por nossa relação não ter dado certo”, conta. Ela o acusava de tê-la iludido com seu charme e sedução. Depois de alguns anos, já livre da paixão, ela voltou a revê-lo. “E lá estava ele de novo com seu cativante sorriso de garoto. E vi o que meu ex-namorado realmente era – um ser imaturo, irresponsável, algo que não consegui ver anteriormente.” Ao enxergá-lo sob esse novo prisma, reconheceu que era ela quem tinha projetado seus sonhos em cima dele e que o havia transformado num príncipe. E entender sua própria projeção fez muito bem. “A mágoa e o ressentimento se dissolveram na hora, ao compreender que ele jamais poderia me dar o que eu esperava”, diz. Prova de que algumas vezes a dor e a raiva também podem ser provocadas por nós mesmos, por nossa imaginação, e não apenas pelo outro.

Liane Alves


Imagens: google.com


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