domingo, 28 de abril de 2013

Vomitando a raiva - 2( A dor da perda)



Falar sobre a própria dor, desabafar, é igualmente muito importante. “É o começo da recuperação”, afirma Cyrulnik. “Verbalizar torna a pessoa mais consciente do que aconteceu. Pela fala, ela se apropria do evento e pode começar a elaborá-lo psiquicamente. Nesse processo, pode compreender melhor a situação e ultrapassá-la.”

Nesse momento, porém, podemos entrar em contato com uma raiva que escondemos até de nós mesmos. “Quando uma pessoa perde um companheiro de muitos anos, por exemplo, ela pode se sentir abandonada – e com raiva de quem partiu. O problema é que, em nossa sociedade, não se pode falar mal ou criticar quem já morreu”, afirma a psicóloga junguiana Mônica Giacomini. Essa raiva, não manifestada, passa então para o inconsciente. “Enquanto não a tocarmos e a elaborarmos, torna-se difícil iniciar um processo de recuperação”, diz Mônica, que fornece recursos durante a terapia para que o paciente possa entrar em contato com seus sentimentos mais agressivos.

Outra reação característica é a criação de fantasias, que podem ser essenciais num primeiro momento, mas que depois impedem o processo de volta à normalidade. A advogada paulista Regina Pontes manteve o banheiro do seu filho intocado por seis meses, com a escova de dentes sobre a pia, como se ele tivesse acabado de usá-la. Ela também não deu as roupas dele, que ficaram no armário, mantinha a cama feita e na secretária telefônica era a voz do garoto que ainda dava o recado. “Tinha a perfeita consciência de que mantinha uma fantasia, a de que meu filho ainda estava vivo de alguma maneira, mas simplesmente não tinha forças para desfazer tudo e assumir que ele nunca mais iria voltar”, conta Regina. A dor do “pedaço arrancado de mim”, do filho que morreu, é tão pungente que a pessoa pode ficar, como ela, um mês em estado de choque. Regina só conseguiu sair dessa situação com apoio de terapia – e do próprio tempo.

E o período de luto não acontece só por uma pessoa que morreu, mas também por uma relação amorosa que acabou, por uma demissão que gerou uma profunda sensação de incapacidade e outras situações imponderáveis. “A perda da autoimagem e do amor, por exemplo, é capaz de gerar um luto tão intenso quanto a morte de uma pessoa querida”, diz Mônica, que trabalhou durante 17 anos no Hospital das Clínicas de São Paulo dando apoio psicológico a pacientes que tiveram braços ou pernas amputados. Ela assistiu muitas vezes ao sofrimento visceral por esse tipo de perda e às reações de luto por isso. São as mesmas de quem sofre a perda por morte, inclusive com as mesmas fantasias. “No caso de quem amputa uma perna e posteriormente recebe uma prótese, a pessoa pode reforçar a fantasia de que tudo voltou ao normal, pois geralmente ela não é percebida debaixo da roupa”, conta a psicóloga. Algumas mulheres voltam a querer seduzir – e conseguem –, mas param diante da possibilidade de um envolvimento profundo, que inclua relações mais íntimas que revelem a prótese. Como nos casos de morte, essa fantasia pode ajudar por algum tempo, mas depois pode se tornar um empecilho no enfrentamento da realidade. “Enquanto rejeitar a si mesmo e o que aconteceu, a pessoa vai projetar essa mesma rejeição nos outros. Para ela, ninguém será capaz de aceitar algo que ela mesma tem dificuldade de assimilar”, diz Mônica.

Outro luto profundo é o dos pais que têm filhos com problemas físicos ou mentais. “Eles vão ter de sacrificar a imagem da criança saudável e linda que acalentaram durante a vida. É também um luto, e muito dolorido, porque muitas vezes não é consciente, já que socialmente não se permite que o pai e, principalmente, a mãe tenham uma reação de rejeição com relação ao filho”, afirma Mônica.

A recuperação de todos esses casos inclui utilizar recursos criativos que permitam assimilar a dor e, ao mesmo tempo, desenvolver maneiras de superá-la. Com isso, a moça que perdeu a perna será capaz de aceitar sua deficiência e saber que não precisa impedir sua expressão amorosa por causa de sua limitação e a mãe poderá acolher seu filho do jeito que ele é, porque terá abandonado a imagem de uma criança idealizada. Às vezes é mais fácil do que se pode imaginar.


Liane Alves


Imagens: google.com


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