quarta-feira, 9 de julho de 2014

Intimidade emocional



O que mais necessitamos atualmente é de intimidade emocional. A intimidade física é hoje muito fácil, porém não cria vínculos nem sustenta relações amorosas estáveis. Confundimos amor com sexualidade e intimidade emocional com intimidade física. “Fazemos amor” como se amor e sexo fossem a mesma coisa. A sexualidade e a intimidade física são estímulos fortes e importantes para a vida, mas não geram vínculos nem mantêm a relação estável, necessária para os cuidados e a proteção da vida. A sexualidade e a intimidade física atraem as pessoas, porém, como estímulos vitais têm vida curta. Em pouco tempo “conhecemos” a outra pessoa, seu corpo, suas reações físicas, seus desejos e prazeres. Deixa de existir algo novo e excitante e a relação começa a ser monótona e não estimulante. A intimidade física, sem a intimidade emocional, não sustenta a relação por longo tempo.

Para compreender melhor a diferença entre a intimidade física e a emocional, vamos fazer uma distinção entre interação e relação.

A interação é o que ocorre num nível superficial, quando nos relacionamos a partir dos papéis que desempenhamos, como, por exemplo o médico, o professor, o freguês, o ilustre desconhecido da rua, etc. A interação obedece a regras específicas dos papéis desempenhados; em geral é mais superficial e dirigida mentalmente. Olhamos para a outra pessoa, percebemos o papel que desempenha, avaliamos, julgamos, criticamos, damos opinião ou conselhos, etc. A interação é útil e necessária para a convivência social. Não somos íntimos de todas as pessoas nem estamos voltados para a intimidade com o guarda da esquina, o frentista do posto de gasolina ou o caixa do supermercado. Entretanto, mantemos com essas pessoas uma interação cordial e socialmente aceitável. Normalmente a interação se dá no nível verbal e com um mínimo de toques ou de olhares mais diretos. Mantemos inclusive uma “distância” física convencional. Quando num elevador as pessoas são obrigadas a manter uma distância menor que a convencional, é evidente o incômodo geral e a busca de alguma interação verbal para disfarçar o constrangimento.

A relação começa geralmente pelo nível energético. Basta um olhar, um toque sutil ou uma palavra “casual” para que algo aconteça entre duas pessoas. Nestes simples atos elas expõem anseios que vêm de sua Essência. Geralmente acompanha-se de um misto de curiosidade e vergonha frente à exposição. É algo que acontece independente da vontade consciente de ambos. Começam a se expor emocionalmente! Se as pessoas não se assustarem e fugirem, a aproximação será progressiva, levando a uma exposição profunda das almas envolvidas. É a intimidade emocional estabelecendo-se. Ela ocorre quando a Alma da outra pessoa é vista, ouvida, recebida, nos toca em nossos sentimentos e emoções e temos uma resposta emocional para ela.

A intimidade emocional existe quando existe uma verdadeira relação, isto é, quando existe um Eu que se expressa e tem no outro um Tu que o recebe, se deixa tocar e tem uma resposta emocional para dar. Estamos além dos papéis que desempenhamos! Passamos horas conversando, falando de nós mesmos e ouvindo deslumbrados os relatos da outra pessoa. A necessidade de intimidade física parece não existir num primeiro momento e pode mesmo não existir, quando a intimidade emocional leva as pessoas a estabelecerem uma profunda amizade. Ficamos excitados vitalmente, voltamos a sonhar, sentimo-nos reconhecidos em nosso Eu! Se a relação caminha para além de uma amizade profunda, a necessidade de intimidade física torna-se progressivamente mais forte, ativando desejos de contato físico. Estamos apaixonados! Na Psiquiatria do início do século XX falava-se da paixão como um estado alterado, um estado patológico! Na realidade a paixão é a expressão de um profundo anseio humano! O anseio de sentir-se recebido, reconhecido e reafirmado na expressão genuína de seu Eu.

Antes da liberação sexual existiam duas situações definidas: a relação sexual amorosa e a interação sexual profissional. A antiga “prostituta” era uma pessoa que desempenhava um papel, a partir do qual tinha um comportamento esperado e pelo qual era retribuída financeiramente. Ela não beijava seu freguês; o beijo era uma intimidade emocional reservada ao seu amado! Atualmente temos, de forma análoga a garota e o garoto de programa. Desempenham papéis.

Atualmente criamos mais uma categoria, a da interação sexual não profissional. Inventamos o “ficar”, situação na qual as pessoas podem ter intimidade física sem intimidade emocional. O papel da mulher liberada sexualmente e do homem descompromissado ajustam-se perfeitamente! Muitas vezes, a partir dessa intimidade física surge a intimidade emocional e a relação amorosa se estabelece. Mesmo na situação do garoto e da garota de programa, quando a interação prolonga-se, pode estabelecer-se a intimidade emocional e a relação tornar-se amorosa, levando à formação do casal e da família. A busca da interação sexual profissional, geralmente indica dificuldades de estabelecer relações amorosas, mas a natureza e a alma, às vezes pregam peças até nos mais evasivos!

A liberdade sexual e a facilidade de intimidade física nos trouxeram prazeres e variedade de experiências, mas nos tirou a possibilidade de sonhar e de sentir aquela intensa excitação vital do começo da paixão! Não temos tempo para esperar acontecer. A interação sexual banalizou a sexualidade!

Independente de como chegamos à paixão, para que esta tenha continuidade com a relação amorosa duradoura, dependerá da disponibilidade de ambos em preservar a intimidade física e emocional. Já disse acima que a intimidade física sozinha, não preserva a relação nem traz os cuidados e a proteção para a vida! O amor cria vínculos duradouros e intimidade emocional e nesta temos uma fonte inesgotável de estímulos novos. Durante toda a nossa existência não chegaremos a nos conhecer integralmente e muito menos a conhecer totalmente a outra pessoa. Quando o casal mantém a intimidade física e emocional, a relação será fonte inesgotável de estímulos para a vida, para o auto-conhecimento e para o conhecimento da outra pessoa. Preservar a intimidade emocional é uma questão de sobrevivência da própria relação amorosa!

Descrevemos até aqui as condições necessárias para a interação e a relação saudáveis. Existem, entretanto muitas inadequações que frustram a ambas. Normalmente estão ligadas à questão dos limites pessoais.

A interação aceitável socialmente pede que cada participante se mantenha dentro de seu papel específico e que obedeça as regras do mesmo. Se uma pessoa rompe a distância convencional, se olha de forma muito intensa, toca fisicamente de forma íntima ou se expressa emocionalmente, não importando se a emoção é amorosa ou agressiva, estará ultrapassando as regras da interação. Esta atitude a torna invasiva para a outra pessoa e a interação se rompe ou torna-se difícil. Amparadas na liberdade sexual ou na crença de que expressar emoções é sempre saudável, muitas pessoas expõem-se emocionalmente com facilidade e sem limites. São invasivas e inadequadas socialmente. Outras pessoas apresentam limites tão estreitos e preconceituosos que impedem a mínima cordialidade social. São fechadas como caramujos em suas conchas, impedidas de se relacionarem e até de interagirem socialmente.

A relação pede por intimidade emocional. Quando um olhar, um toque, uma palavra nos move internamente, foi despertada a intimidade emocional. Pode acontecer que esta situação nos assuste e então fugimos do contato ou respondemos racionalmente expressando uma opinião, um conselho ou mesmo uma interpretação. Evitamos nossa resposta emocional. Pode ser também que não estamos disponíveis para a intimidade com a pessoa em questão. Não existe um Tu respondendo ao Eu que se expressa. Normalmente a ausência de resposta emocional é o indicativo para a outra pessoa, de que deve manter-se no nível da interação. Se ela insiste na direção da relação, é bem provável tratar-se de pessoa invasiva e sem limites. Pode ser também que tenhamos limites tão estreitos que impossibilitam a relação!

Iniciamos dizendo que o que mais necessitamos atualmente é de intimidade emocional. Sem intimidade emocional sentimo-nos solitários e a vida torna-se árida. Freqüentamos festas, bares, happy hours e atualmente a Internet na busca de relações significativas. Passamos longo tempo aprendendo a interagir socialmente, mas não temos uma escola onde possamos aprender a nos relacionar. A aprendizagem da intimidade emocional começa dentro da família e nossos pais sofreram dos mesmos males ou talvez de males piores que os nossos. Nossas dificuldades frente à intimidade emocional frustram o anseio maior que é de expressar nosso Eu, ser recebido, reconhecido e reafirmado em nossa expressão. O resultado é a solidão ou as interações pouco significativas.

Evidentemente não existem regras do tipo “faça você mesmo” a ensinar. Existem algumas orientações que podem nos ajudar nesta empreitada, como as que apresento abaixo.

Aprendendo a intimidade emocional

A intimidade emocional ocorre internamente quando estamos em contato com nosso Eu, nossa Essência. Neste momento desfazem-se os conflitos internos e nos sentimos inteiros. A partir desse lugar interior, podemos sair da interação e entrar na relação. Estamos prontos para a intimidade emocional externamente. É o momento onde o Eu e o Tu existem e se reafirmam. O Eu pode ser sustentado externamente, quando existe um Tu que o recebe e o reafirma e o Tu pode emergir quando existe um Eu que se expressa e se comunica. Quando isto ocorre existe a verdadeira relação! Fora deste momento, somos papéis que interagem com outros papéis. Não existem pessoas. Tornamo-nos conceitos indiferenciados, genéricos, “coisificados” e “coisificando” o próprio mundo. E este perde seu encantamento! Ler: EU-TU de Martin Buber.

Orientações para a intimidade emocional

I. Fale de si próprio, deste seu momento e não do outro ou de sua história.
II. Retome constantemente suas sensações corporais, sentimentos e emoções.
III. Expresse o que sente através de suspiros, choro, emoção, anseios de tocar, apoiar o outro ou pedir apoio e ajuda.
IV. Nomeie o que sente e reflita sobre o que sente, reflita sobre seu próprio Eu.
V. Comunique ao outro as reflexões que faz sobre si mesmo. Afirme seu Eu!
VI. Ouça atentamente o que o outro fala dele mesmo. Olhe-o diretamente. Afirme e receba o Tu que se comunica!
VII. Tome consciência de sua resposta interna (sensação, sentimento, emoção) ao receber a comunicação da outra pessoa.

VIII. Expresse e comunique suas sensações, sentimentos e emoções em relação à comunicação do outro. Não fale dele, não o julgue, não o analise, não o avalie; comunique apenas o que você sente internamente! Ex: Eu me sensibilizo com sua dor, sua situação move também a minha dor. Etc.
IX. Só dê sua opinião quando o outro solicitar alguma avaliação ou conselho, porém comece sempre expondo como você se sente no momento. Ex: Eu me sinto sensibilizado com sua pessoa e como você está me permitindo, gostaria de dizer-lhe que.............
X. Clareie para você mesmo o que você percebe, o que você sente e o que você pensa sobre o outro. Você pode percebê-lo cabisbaixo, triste, sentir-se preocupado com ele, e talvez esteja muito interessado em saber o que se passa. Não interprete o estado dele. Seja franco e direto: Eu o percebo cabisbaixo, estou preocupado com seu estado e gostaria de saber o que se passa com você, se você se sentir à vontade para expor! É importante aceitá-lo não disponível para se expor!
XI. Desfrute de seus momentos de intimidade emocional, não importando onde você esteja: num bar, numa roda de amigos, numa relação amorosa, num momento de sua espiritualidade, etc.


Dr. Dimas Calegari


Imagens: google.com


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